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Reediçom do Scórpio carvalhano na Através Editora: feliz iniciativa, oportunidade perdida

Reediçom do Scórpio carvalhano na Através Editora: feliz iniciativa, oportunidade perdida

Carlos Garrido

Publicado pola primeira vez em 1987, na editora compostelana Sotelo Blanco, e editado pola última vez pola Asociación Socio-Pedagóxica Galega, na sua sexta ediçom, em 1997, o romance Scórpio de Ricardo Carvalho Calero, que obtivo o Prémio da Crítica e que se tem tornado referência incontornável da literatura galega contemporánea e da prosa artística reintegracionista, levava desde entom sem ser reeditado por causas diversas, que nada tinham a ver, é claro, com a sua qualidade literária e lingüística, indisputáveis. Por isso, devemos saudar com grande satisfaçom a nova recente ediçom —que, se nom estivermos enganados, é a sétima— do Scórpio carvalhano na Através Editora, a coincidir com o trigésimo aniversário da sua primeira saída do prelo[1]. Além disso, tamém para nos congratularmos é o facto de esta reediçom do Scórpio incorporar, sob a forma de epílogo, um interessante estudo do professor de teoria literária Arturo Casas, e a circunstáncia de o seu lançamento vir acompanhado por umha série de atividades de difusom e promoçom da obra, que som subsidiadas —como a própria ediçom do livro— pola Deputaçom da Corunha. Parabéns, portanto, para a Associaçom Galega da Língua, por esta oportuna iniciativa e polas frutíferas gestons realizadas, e, nomeadamente, para os responsáveis da sua chancela editorial, a Através, coordenada, neste projeto concreto, por José Antom Serém[2].

    Ora bem, assim como é de lei reconhecermos e louvarmos esta feliz iniciativa da Através Editora, que pom nas maos das geraçons mais novas umha obra de criaçom —nos últimos tempos pouco acessível— de grande valor literário e lingüístico, tamém será necessário chamarmos aqui a atençom do público, sobretodo reintegracionista, para um aspeto desta nova ediçom do Scórpio carvalhano nom tam favorável, e que consiste numha intervençom a nosso ver pouco afortunada dos responsáveis editoriais pola fixaçom do texto. Com efeito, a reediçom aqui efetuada acusa a falta, lamentável, de um cabal aggiornamento da língua do romance, quando essa criteriosa atualizaçom, neste caso, nos parece que se revelaria, além de indispensável para o leitor atual, tamém um verdadeiro ato de justiça histórica para com a figura de Carvalho Calero, o qual, na altura em que concebeu o Scórpio, se manifestava, dentro das limitaçons da época, como reintegracionista conseqüente, esforçado e rigoroso.

    Para já, devemos confessar que o nosso primeiro contacto com o Scórpio da Através véu a dissipar um temor que, muito justificadamente, nos acometia desde o momento em que soubemos que a editora da atual AGAL abordaria esse projeto: o texto deste Scórpio —ainda bem!— continua escrito na norma em que Carvalho Calero o plasmou, no padrom galego reintegracionista, e nom naquela norma que a atual AGAL —em aberto contraste com a sua tradiçom histórica e como fruto de um processo de cariz pouco ético que culminou no fim de 2015 com a defenestraçom da sua Comissom Lingüística[3]— hoje claramente privilegia, o padrom lusitano. Naturalmente, a substituiçom da norma galega reintegracionista pola norma lusitana no Scórpio constituiria, hoje, um ato contrário a toda a ética intelectual, umha vez que Carvalho Calero, enquanto era vivo, sempre mostrou preferência polo uso na Galiza de um modelo reintegracionista de língua atento às legítimas particularidades da variedade galega do galego-português, modelo, esse, quase totalmente coincidente com o padrom galego reintegracionista elaborado e regulado pola Comissom Lingüística da AGAL/AEG, e que ele, muito significativamente, mesmo chegou a usar num livro da sua lavra publicado em Portugal (Problemas da Língua Galega, 1981); mas, mesmo assim, e mesmo mediando nesta ediçom, necessariamente, as filhas do professor ferrolano, receávamos que os dirigentes da atual AGAL, que nom desaproveitam ocasiom de menorizar na Através Editora o padrom galego reintegracionista[4], se atrevessem a umha tal deturpaçom, o que, aliás, já nom seria a primeira vez que acontecesse no seio do reintegracionismo hodierno, visto que a Academia Galega da Língua Portuguesa há uns anos editou em padrom lusitano um conjunto de poemas de Jenaro Marinhas del Valle originalmente escritos em padrom galego reintegracionista (Invenção do Mar, 2014).

    Em qualquer caso, seja como for, temos aqui, no Scórpio agora lançado pola Através, umha nova fixaçom/transmissom de um texto escrito em padrom galego reintegracionista que fica muito aquém do que caberia esperar-se de umha reediçom efetuada hoje por umha entidade reintegracionista, e com a declarada intervençom de umha equipa de revisores textuais. A esse respeito, devemos ter em conta que Ricardo Carvalho Calero, por caráter, formaçom e vocaçom, sempre prestou muita atençom à qualidade lingüística dos textos, tanto alheios como próprios, e essa autoexigência determinou que, durante o derradeiro decénio da sua vida, o galego por ele cultivado se situasse, quanto a correçom, vernaculidade e elegáncia —e fazendo ressalva dos inevitáveis deslizes, incoerências e cautelas inerentes a toda a etapa de incorporaçom a um novo código expressivo— à vanguarda do reintegracionismo. Além disso, se Carvalho Calero, durante essa etapa, em mais de umha ocasiom manifestou pública desconformidade com a «normativizaçom» oficialista da língua de escritores já falecidos, tal deve ser entendido, fundamentalmente, como reaçom perante a introduçom de umhas alteraçons textuais que, em larga medida, se revelavam castelhanizantes e banalizadoras, que obliteravam a variaçom lingüística num contexto de concorrência normativa, e nom, obviamente, porque o nosso autor se opugesse à incorporaçom de atualizaçons morfográficas criteriosas ou de verdadeiras correçons e melhoramentos expressivos, o que ele, de facto, nom deixou de praticar na reediçom dos seus próprios textos.

    Por isso, o reintegracionismo, ao abordar hoje em dia a (re)transmissom de um texto canónico como o Scórpio carvalhano, nom pode adotar —quer-nos parecer— umha atitude de fetichismo textual, obsidiada polo exclusivo afám de congelar na sua literalidade o texto originário, com inclusom de aspetos expressivos abertamente desfasados, incoerentes ou deficientes (os quais, deve dizer-se, som bem escassos no Scórpio!). Polo contrário, pensamos que o caráter modelar —ou referencial— que o Scórpio tivo e deve continuar a ter para o reintegracionismo nos planos lingüístico e literário demandava que a sua reediçom atual, mostrando absoluto respeito pola obra de Carvalho Calero, zelasse polo aprimoramento expressivo do texto, para enquadrar hoje o romance carvalhano nas mesmas coordenadas de excelência lingüística —ortográfica, morfológica, lexical e morfossintática— que na atualidade caraterizam os textos dos autores reintegracionistas mais competentes[5]. Mas isto, infelizmente, como vamos ver em seguida, nom foi feito, ou nom de modo minimamente satisfatório, polos responsáveis desta ediçom da Através.

    À partida, a reediçom da Através do Scórpio carvalhano parece enveredar por um bom caminho, umha vez que ela inclui revisom textual e que a correspondente equipa de (três) revisores textuais declara ter adotado um critério operativo razoável: «Com um grande respeito à obra de Ricardo Carvalho Calero, a Através Editora editou o texto de Scórpio com umha regularizaçom e atualizaçons mínimas dentro do espírito do pensamento do escritor e intelectual ferrolano de aprimoramento da língua galega, além de serem corrigidas gralhas de ediçons anteriores.» («Nota Introdutória», pág. 7)[6]. Infelizmente, o programa assim exposto, promissor na sua formulaçom genérica, na prática vai fracassar de modo ostentoso pola incompreensível falta de umha execuçom conseqüente e coerente.

    Com efeito, cingindo-nos aqui, como amostra representantiva —e até emblemática nalguns casos!— da situaçom geral, às 15 primeiras páginas do texto literário desta reediçom, e sem que estas análises sejam necessariamente exaustivas, reparemos, em primeiro lugar, na prometida expurgaçom de gralhas. Esta, em justiça, há de considerar-se fracassada, umha vez que o erro tipográfico historicamente mais vistoso do Scórpio, o «Antónia deu onte a luz» da primeira linha da primeira página do romance (em que a surge indevidamente por à), continua a afear o texto na reediçom da Através (pág. 11)! De resto, no intervalo de páginas indicado, encontramos um defeituoso «Scórpio e mais eu costumámo-nos a sentar-nos» (pág. 23–24), por «Scórpio e (mais) eu costumamos sentar-nos», e mesmo nos deparamos com erros acrescentados polos revisores do texto, que nom surgiam nas ediçons anteriores: *«com seu neno» (pág. 12, em correspondência com um correto «co seu neno» da 5.ª ed. da Sotelo Blanco, pág. 10), *«Há-nas» (pág. 23, a partir de um correto «Hai-nas» da 5.ª ed. da Sotelo Blanco, pág. 29)[7].

    No capítulo ortográfico, a inconseqüência, incoerência ou negligência dos revisores textuais da Através é difícil de justificar. Assim, como é possível que, nesta altura em que todo o reintegracionismo tem adotado, necessária e convenientemente, o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 —sem adaptaçom, e com certo rendimento tático, o reintegracionismo de padrom lusitano; com cuidadosa adaptaçom, efetuada pola Comissom Lingüística da AGAL/AEG, o reintegracionismo de padrom galego—, o texto do Scórpio reeditado agora pola Através surja sem tal atualizaçom? Lemos, assim, na forma (e realizaçom fónica?) desatualizada as seqüências consonánticas cultas, como em reflicta (pág. 11), por reflita, adoptado (pág. 17), por adotado, e directivos (pág. 24), por diretivos. Cinicamente, na «Nota Introdutória» dos revisores di-se que «Na hora de atualizar guiou-nos a Ortografia Galega Moderna editada por esta mesma casa [pola AGAL após a defenestraçom da sua Comissom Lingüística] em 2017».

Qualquer pessoa que tenha folheado o opúsculo referido sabe que ele outra cousa nom é senom um braçado incoerente de propostas ortográficas e morfológicas heteróclitas, um magma caótico que parece perseguir a desorientaçom, ou dissoluçom, normativa do reintegracionismo. Será sob esse prisma dispersivo que, porventura, há de entender-se a desistência ortográfica dos revisores da Através? Mas, nesse caso, como podem eles, ao mesmo tempo, afirmar na nota introdutória que «Tratava-se de modificar aquelas formas que nom fazem parte dos usos do galego internacional na atualidade e no nosso país»? A propósito, entre os seis ou sete tipos de atualizaçom que, neste capítulo, os revisores declaram e, de facto, efetivam no texto carvalhano, encontram-se duas categorias descabidas e umha terceira que resolvem de forma inadequada: assim, frente a «Os pronomes el, del [sic], aquel fôrom atualizados para ele, dele, daquele [sic]», o padrom galego reintegracionista, agora regulado pola Comissom Lingüística da AEG, continua a admitir, como alternativa a ele e a aquele, tamém el e aquel (v. Compêndio Atualizado das Normas Ortográficas e Morfológicas do Galego-Português da Galiza, 2017: 99, 101); frente a «A terceira pessoa do verbo haver foi atualizada em há», o padrom galego reintegracionista continua a admitir hoje, como alternativa a há, para usos impessoais, tamém a forma hai (Compêndio: 127); quanto a «O verbo traer foi atualizado para trazer», diga-se que o alvitre praticado é desajeitado, dado que o padrom galego reintegracionista prioriza traguer sobre trazer (Compêndio: 138), e dado que Carvalho Calero sempre mostrou preferência polos particularismos galegos legítimos, sendo traguer, neste caso, das duas formas genuínas, a única que ocorre nos falares espontáneos galegos.

    É triste verificar como no importante domínio do léxico os revisores textuais da Através optam nesta ediçom do Scórpio por umha quase completa inibiçom (e, precisamente, por nom ser completa, ela tamém peca de incoerência interna!). De início, três constataçons basilares sobre o léxico: em primeiro lugar, que a constituiçom lexical de umha língua ou de um texto representa um caráter expressivo essencial, de primeira ordem; em segundo lugar, que os usos lexicais efetuados hoje no seio do padrom galego reintegracionista se apresentam tendencialmente estabilizados e som explicitamente regulados em O Modelo Lexical Galego, da Comissom Lingüística da AGAL/AEG (2012); em terceiro lugar, que Carvalho Calero, no Scórpio, tamém polo que di respeito ao léxico se manifesta como reintegracionista conseqüente e, mesmo, nalgumha medida, adiantado ao seu tempo, como quando nom hesita em incorporar maciçamente, em resposta à estagnaçom e à suplência castelhanizante padecidas polo léxico galego, neologismos luso-brasileiros, e nom apenas de natureza erudita, mas tamém de registo coloquial[8], o que nom obsta —e isto revela-se fulcral no caso que nos ocupa!— para que o seu texto, condicionado pola altura em que foi escrito, apresente certo número de castelhanismos substitutórios, castelhanismos suplentes, indevidos e antieconómicos dialetalismos, diferencialismos abusivos e vozes de registo inadequado[9]. Julgamos, por isso, constituir responsabilidade incontornável dos editores do Scórpio carvalhano retificarem com cuidado este importante capítulo expressivo, mas aqui os revisores textuais da Através voltam a falhar.

    Assim, se bem que os revisores textuais declarem na sua nota introdutória terem retificado na presente ediçom algumha soluçom lexical inapropriada do ámbito da estagnaçom e suplência castelhanizante («No campo lexical, mas ligado à ortografia, é o caso de teléfono [...] que fôrom atualizados para telefone [...]»[10]), depois o que se aprecia no texto do romance é que, em geral, com muito poucas exceçons (como Cleópatra [pág. 25], que provém de umha *Cleopatra), permanecem os castelhanismos suplentes da ediçom original: *butaca (pág. 17) por cadeirom ou cadeira de braços, *capa ‘estrato, assentada’ (pág. 21) por camada, *despacho ‘gabinete’ (pág. 15) por gabinete, *embaraço ‘gravidez’ (pág. 11) por gravidez ou gestaçom, *em troca ‘polo contrário, em contraste’ (pág. 24) por polo contrário, *matemáticas (pág. 16) por matemática, *oficina ‘local de trabalho escriturário’ (pág. 12) por escritório, *parelha ‘par de pessoas que convivem’ (pág. 21) por casal, *tortícole (pág. 24) por torcicolo, *tranquilo (pág. 12) por tranqüilo... Tamém os revisores se inibem perante a ocorrência de variantes geográficas nom supradialetais, como alcume (pág. 22) por alcunha, amostrar por mostrar (pág. 11), façula (pág. 18) por face, mentres por enquanto (pág. 12, 20 [na pág. 20, junto com enquanto!]), rapaza por rapariga (pág. 11, mas rapariga em pág. 25!), xastre (pág. 17) por alfaiate...

    Mais grave, ainda no campo lexical, é, porém, a inibiçom mostrada polos revisores textuais da Através, por um lado, em relaçom a ocasionais soluçons vulgares ou de registo inadequado, ou a usos diferencialistas abusivos, e, por outro lado, frente a claros castelhanismos substitutórios. Assim, som exemplos da primeira categoria referida: *acadar ‘alcançar’ (pág. 25) por alcançar ou atingir, *bico ‘beijo’ (pág. 18) por beijo, *calhar (pág. 11) por coalhar, *falha ‘falta’ (pág. 18) por falta, *lesto ‘inteligente [pessoa]’ (pág. 16) por esperto; som exemplos da segunda: *buque (pág. 15) por navio, *habitaçom ‘quarto’ (pág. 19) por quarto, *«duas filhas moças e um filho maior que elas» (pág. 23, ênfase nossa) por mais velho, *logo ‘depois’ (pág. 12, 22...) por de(s)pois ou a seguir, *comedor ‘sala de jantar’ (pág. 17) por sala de jantar, *«mal papel» (pág. 16) por «mau papel», *noivo ‘namorado’ (pág. 20) por namorado, *pelo ‘cabeleira’ (pág. 16) por cabelo ou cabeleira, *«segue sendo» (pág. 16) por «continua a ser/sendo», *«muito me temo que» (pág. 12) por «muito receio que».

Já polo que di respeito ao domínio gramatical, a lógica expetativa de umha revisom textual empenhada numha restituiçom e regularizaçom de traços morfossintáticos genuínos é alentada na nota introdutória dos revisores: «Na hora de regularizar reparamos naqueles casos em que o autor escolhia umha dada forma mas nalguns casos, por omissom [sic], usava outras. É o caso de Complemento Direto com preposiçom A (enganar ao inimigo>o inimigo)», mas, já no corpo do romance, tal expetativa vê-se defraudada. Assim, por exemplo, os revisores nom generalizam o uso do artigo determinado a anteceder os prenomes e as alcunhas das personagens, o que é normal, em contextos nom formais, tanto na Galiza como no ámbito luso-brasileiro: lemos de forma quase constante «Manuel», em vez do genuíno «o Manuel», ou «Chéli», em vez do genuíno «a Chéli», embora Carvalho Calero escreva «a Cleo», por exemplo, na pág. 25; nom generalizam a construçom genuína dos nexos de relativo (corretamente realizada em muitos casos por Carvalho Calero no Scórpio): *«as mulheres dos meus sócios, entre as que as há [...]» (pág. 17) por «entre as quais», *«de todas as raparigas do curso, entre as que Scórpio tem muito partido [...]» (pág. 25) por «entre as quais»...; nom generalizam o uso do futuro do conjuntivo: «se quadra» (pág. 12, 16...) por «se calhar», «polo que seja» (pág. 12) por «polo que for», «se come da agulha» (pág. 12) por «se comer», «se vai coser» (pág. 12) por «se for coser», «quando cumpra» (pág. 13) por «quando cumprir», «se servem para isso» (pág. 16) por «se servirem»...; nom corrigem as construçons castelhanizantes de redobro de clítico, como *«Contei-lhe a Célia que [...]» (pág. 23) por «Contei à Célia que»...; nom regularizam, enfim, o uso do conjuntivo nas cláusulas concessivas introduzidas por ainda que ou por se bem (que): *«ainda que parava» (pág. 11) por «ainda que parasse», *«se bem para os trabalhos científicos está admitido o castelhano» (pág. 24) por «se bem que para os trabalhos científicos esteja admitido o castelhano», *«Ainda que eu lim Rosalia [...]» (pág. 24) por «Ainda que eu tenha lido Rosalia»...[11]

Até aqui, portanto, um levantamento exemplificado dos domínios principais em que se revelaria indispensável umha intervençom criteriosa dos revisores para se atingir numha ediçom atual do Scórpio umha leal atualizaçom, umha verdadeira otimizaçom expressiva do texto carvalhano. Trataria-se, é claro, de umha ediçom endereçada ao público geral —o destinatário, de facto, da presente reediçom da Através—, nom a filólogos interessados na constituiçom literal do texto original. No entanto, sempre seria possível conciliar de forma simples numha mesma ediçom as duas perspetivas, e nós, por sinal, achamos que, neste caso, o ideal seria umha tal abordagem dual, com priorizaçom da perspetiva do público geral: para isso, bastaria com acrescentar ao texto cabalmente aprimorado um apêndice em que a funçom metatextual ficasse servida através da declaraçom concisa e estruturada (por capítulos e/ou páginas) das regularizaçons e melhoramentos expressivos introduzidos polos revisores.

Em conclusom, se a iniciativa da Através Editora de reeditar nesta altura o Scórpio carvalhano merece as nossas sinceras palavras de louvor, já a respeito do trabalho de fixaçom e de transmissom textual aí efetuado, nom cabe senom censurarmos a notável imperícia com que os correspondentes revisores editoriais procedêrom, um desleixo que nom fai jus à importáncia da obra reeditada, que desaproveita umha ótima ocasiom para a revalorizar e que nom tem em conta a perspetiva e os interesses do leitor atual e do hodierno reintegracionismo. Se Ricardo Carvalho Calero, num ensaio de 1976, com evidente capacidade antecipatória, denunciava que «Houvo umha forma histórica de ultrajar a língua, que consistia em nom escrevê-la. O futuro registará outra, consistente em escrevê-la sem possuí-la. Sem querer possuí-la.», nós, aqui, tamém temos de lamentar que os revisores da Através, por falta de preparaçom ou de convicçom, tenham tocado no Scórpio carvalhano sem o aprimorar, sem querer aprimorá-lo.


NOTAS

[1] Ricardo Carvalho Calero. 72017 (1987). Scórpio. Revisom textual de Teresa Crisanta, Valentim Fagim e Diego Bernal. Através Editora. Santiago de Compostela.

[2] A propósito, a folha de créditos desta reediçom do Scórpio feita pola Através indica tratar-se da «1ª ediçom, setembro 2017», o que se revela enganador, já que, como vimos antes, esta é, na realidade, a sétima ediçom do romance desde que este véu a lume pola primeira vez em 1987.

[3] A extinta Comissom Lingüística da AGAL, felizmente, é continuada desde 2016 pola Comissom Lingüística da Associaçom de Estudos Galegos.

[4] O que, de facto, tamém se percebe no volume que analisamos, pois o estudo do professor Arturo Casas, em vez de surgir escrito no padrom (galego) que condi com o texto de Carvalho, que seria o natural, foi, segundo declara (agradecido) o próprio estudioso, passado por outra pessoa para o padrom lusitano.

[5] Esta faceta instrumental que umha adequada reediçom do Scórpio nom deve descuidar tem em conta, por exemplo, que a leitura desse texto carvalhano se revela útil ferramenta pedagógica para a iniciaçom ao reintegracionismo (ferramenta a que o autor destas linhas tem recorrido, de facto, no quadro dos cursos de galego que leva ministrado), ou, em geral, para o aperfeiçoamento da capacidade expressiva em galego.

[6] Por sinal, esta «Nota Introdutória» dos revisores do texto (assinada, curiosamente, com a fórmula «A editora»), apresenta umha redaçom bastante pobre, muito pouco elegante.

[7] Este grave erro, o de converter nesta ediçom um correto hai-no original num aberrante *há-no (por há-o), repete-se de forma sistemática ao longo do texto (assim, p. ex., na pág. 243 tamém pode ler-se: «Há-nas, segundo dim, que estám na cama [...].») e revela que os revisores editoriais recorrêrom no seu trabalho a umha substituiçom automatizada de formas sem umha prévia reflexom gramatical e sem umha efetiva revisom textual posterior, o que testemunha umha patente falta de respeito polo labor que assumírom.

[8] Por exemplo: «Chéli está bem educada. [...] Está giríssima, se a paixom nom me cega.» (pág. 21, ênfase nossa); «Apresentarom-nos [sic, por «Apresentárom-nos», conforme o critério exposto na nota de ediçom] ao Presidente, um catedrático de pequena estatura, sonrosadas faces, claros olhos e brancos e grandes bigodes, e ao Secretário, um recém licenciado, alto, delgado, algo carregado de costas, com óculos de grossas lentes.» (pág. 24, ênfase nossa).

[9] No respeitante ao léxico técnico-científico, já publicamos um estudo que analisa a modelaçom reintegracionista dos usos vocabulares do Mestre ferrolano: C. Garrido. «A concepçom da linguagem técnica e científica em Carvalho Calero». Em J. L. Rodrigues (coord.). Estudos Dedicados a Ricardo Carvalho Calero. Universidade de Santiago de Compostela/Parlamento da Galiza: 213–226.

[10] Curiosamente, num ensaio de 1983 intitulado «O idioma galego e os problemas da linguage técnica» (Da Fala e da Escrita: 36–43), Carvalho Calero, ao ponderar a necessidade de, naquela altura, se agir com «pragmatismo» e com «provisoriedade» em relaçom à necessária habilitaçom em galego de neologismos provenientes do luso-brasileiro, exprime as suas cautelas a propósito, justamente, do termo telefone (e greve), mas tamém estes termos estám hoje já plenamente incorporados, com naturalidade, aos usos reintegracionistas.

[11] No capítulo morfossintático, a desajeitada falta de intervençom dos revisores textuais da Através mesmo se manifesta no traço gramatical a que eles se referem na sua nota introdutória, pois, folheando o livro, o leitor depara-se com ocasionais ocorrências de um indevido a que introduz complementos diretos, como acontece em «Esta segunda sentinela avisará ao seu comandante» (pág. 192) e em «Tampouco podia avisar a berros à sentinela que devia estar na porta da granja» (pág. 193).

Última modificação emDomingo, 26 Novembro 2017 19:29
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